Hipermilitarização das polícias civis no Brasil

Por: Vyctor Hugo Guaita Grotti [I] y Marcelo Bordin [II]

Resumo

O presente texto tem por objetivo discutir o processo de hipermilitarização das polícias civis no Brasil, contribuindo para a letalidade violência policial no cotidiano de suas atividades. Ainda que a Constituição Federal de 1988 delimite a existência das Polícias Militares estaduais, uma hipermilitarização relacionada ao agir e a estética se faz presente nas demais polícias, sejam elas estaduais, sejam federais, e que atinge o ápice durante o mandato do Presidente Jair Bolsonaro.

Palavras-chaves: hipermilitarização; polícia civil; violência policial; segurança pública.

Hipermilitarización de la policía civil en Brasil

Resumen

Este texto tiene como objetivo discutir el proceso de hipermilitarización de la policía civil en Brasil, que contribuye a la letalidad policial en sus actividades cotidianas. Si bien la Constitución Federal de 1988 limita la existencia de la Policía Militar estatal, en otros cuerpos policiales, estatales o federales, se presenta una hipermilitarización relacionada con la acción y la estética, que alcanza su cúspide durante el mandato del presidente Jair Bolsonaro. Ese proceso influye en la policía civil en Brasil, el foco de este estudio.

Palabras-clave: hipermilitarización, policía civil, violencia policial, seguridad pública.

Introdução: conhecendo as polícias brasileiras

Este texto tem por objetivo realizar uma discussão inicial acerca do fenômeno da militarização nas Polícias Civis dos Estados Brasileiros. Lembramos que a Constituição Federal de 1988 deixou claro existir somente uma polícia seria militarizada, a Polícia Militar, encarada também como força de reserva das Forças Armadas. Não há um marco específico em que podemos afirmar, contudo, que uma instituição passou de civil para militar, até porque isso não está necessariamente atrelado ao reconhecimento formal, uma vez que ser militarista não significa ser militar (Pion-Berlin, 2018). A militarização de uma instituição civil, no caso a Polícia Civil, envolve então um processo de relação com doutrinas, práticas e símbolos tipicamente militares. Esse processo se desenvolve de forma sutil e de forma não racionalizada, em que policiais civis acabam produzindo e reproduzindo esses comportamentos, naturalizando-os (Elias, 2015).

Questionamentos sobre onde e quando esse processo se iniciou não serão objetos do presente estudo. O que procuraremos averiguar é se as Polícias Civis brasileiras, nos moldes atuais, estão adotando doutrinas, práticas e símbolos militares através da análise de fenômenos acontecidos no Brasil nos últimos anos. Por um de nós atuar como Delegado de Polícia, a participação ativa no campo em análise proporciona uma coleta de dados com maior facilidade, em especial em poder realizar uma observação direta no objeto em estudo (Becker, 1993). No trabalho, citaremos diversos trechos de entrevistas informais que julgamos serem importantes para o estudo. Por questões éticas, os entrevistados tiveram os seus respectivos nomes preservados.

É necessário esclarecer, ainda, como é o sistema policial no Brasil, tendo em vista que fazemos referência ao processo de militarização de uma instituição policial denominada “civil”. O Brasil sempre possuiu um amálgama de instituições policiais, formadas por corpos militares de polícia e por instituições com foco na investigação e produção das provas para levar possíveis criminosos aos tribunais. No século XX, o modelo consolidado foi o de uma Polícia Militar, atuando nos moldes estruturais do Exército Brasileiro, com as suas normas, regulamentos e tradições. Esse processo se consolida com a Constituição de 1967, promulgada após o golpe cívico-militar de 1964, que findou em 1985. Essa instituição militar ficou responsável pelo policiamento ostensivo, reprimindo crimes logo após seu cometimento, atendendo emergências e também a repressão a possíveis manifestações (modelo que se mantém atualmente). À Polícia Civil coube a função de polícia judiciária (ou investigativa), saindo do policiamento ostensivo após 1967, atuando em investigações e produzindo o inquérito policial, peça que condensa toda a investigação e é encaminhada ao Ministério Público e Poder Judiciário.

O Brasil tem também outras “instituições policiais civis” no nível federal: a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. A primeira com funções de repressão ao narcotráfico internacional, investigação de crimes financeiros, desvios de verbas públicas e controle das fronteiras e, a segunda, atuando no policiamento ostensivo rodoviário em todo o país. A estrutura federal de segurança pública ainda conta com a Polícia Ferroviária Federal, descrita no artigo 144 da Constituição Federal de 1988. Essa instituição não existe de fato, pois não foi implementada. No âmbito municipal, as Guardas Municipais (ou Guardas Civis), inicialmente criadas para a guarda patrimonial dos bens imóveis dos municípios, atualmente possui um protagonismo de polícia municipal, executando ações de patrulhamento policial, fiscalizações de trânsito e também em operações especiais, possuindo um caráter militarizado, porém com uma estrutura civil.

O sistema policial brasileiro possui ainda uma outra instituição híbrida, denominada Força Nacional de Segurança Pública (FNSP). Uma instituição subordinada ao Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública. Composta por servidores estaduais voluntários (policiais militares, policiais civis, bombeiros, papiloscopistas e peritos criminais), que recebem treinamento específico para nivelar as ações de forma geral. Eles são destacados para atuar em diversas regiões do país através de convênios e solicitações dos governadores dos Estados. O servidor destacado recebe um pagamento do governo federal em forma de “diária” (algo em torno de R$200,00). Essa Força Nacional possui uma estrutura militar, respeitando os postos e graduações das polícias militares. Um fato curioso é que até mesmos os policiais e peritos civis participavam das formaturas e paradas militares que acontecem nas cerimonias da Força Nacional de Segurança Pública.

Essa participação de civis em “paradas e formaturas militares” não é um fato isolado dessa instituição, sendo observado as mesmas características em uma formatura de policiais civis federais, em um vídeo que circulou por uma rede social. Esse aspecto de uma atitude militar em organismos civis nos parece uma consequência da popularização da ideia do policial militar de operações especiais, tornado visível após o filme Tropa de Elite (Moraes; Bordin, 2016). Essa idealização desse tipo de policiais contagiou diversas policiais e até mesmo organizações empresariais.

Analisados alguns fenômenos que contribuem para a hipótese aqui levantada, busca-se analisar a guerra às drogas como fator que contribuiu para a intensificação da militarização das polícias civis. Se no período da ditadura militar (1964-1985) tínhamos a ideologia da Segurança Nacional como fundamentadora de políticas de segurança pública mais rígidas, proporcionando ao Estado maiores poderes na restrição da liberdade das pessoas, tem-se que a nova forma pós-constituição se deu pela guerra às drogas, motivo pelo qual merece uma análise pontual no presente trabalho. Obviamente, essa metamorfose fundamentadora não é o único fator que contribui para a militarização das Polícias Civis. Não se descarta, por exemplo, que a doutrina neoliberal exige uma nova formatação das polícias no Brasil, utilizada como controladora das populações excluídas do processo de produção (Coutinho, 1999), o que demandaria uma polícia militarizada para tais propósitos. Essa e outras perspectivas ficarão para estudos posteriores. Neste, contudo, destaca-se a guerra contra as drogas como fator (não exclusivo, frise-se) que impulsionou a militarização das Polícias Civis.

Abordadas as questões acima expostas, será analisada brevemente a relação desse processo de militarização entre a Polícia Civil e seus policiais. Para tanto, a noção de habitus desenvolvida por Bourdieu se apresentou adequada para os fins deste trabalho, uma vez que a militarização das polícias civis vai influenciar diretamente no comportamento do policial e este, ao mesmo tempo, vai reproduzir suas ideias e comportamentos, influenciando também no processo de militarização. 

É importante lembrar, por fim, acerca de duas formas de militarização das polícias, a direta e a indireta (Balko, 2014)[1]. Nesse sentido, abordaremos a militarização indireta, ou seja, aquela realizada pelas polícias (indireta), e não pelas forças armadas (direta).

O processo de militarização das polícias civis

Através do livro Boa caçada (Oliveira, 2019), Silvio Oliveira narra brevemente sua passagem pela ROTA – Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, um grupo da Polícia Militar do Estado de São Paulo, demonstrando toda a rotina daquele batalhão, desde o seu ingresso à sua saída, bem como algumas das situações passadas pelo autor durante o serviço. Por meio de seu título, já podemos perceber a forma pela qual aquele Batalhão e seus integrantes encaram as suas atividades: o caçador (policial) caçando a sua caça (supostos autores de crimes). Não se trata, portanto, de mero policiamento da comunidade como um todo, de forma passiva e protetiva, de forma disciplinar (Foucault, 2014), mas ativa em somente determinadas áreas (favelas) com o propósito de “caçar”, ou seja, submeter à captura um ser inferior, alguém que não seja considerado um de seus pares, prendendo-o ou matando-o.

Essa metáfora traz consigo não somente algo simbólico, mas representativo da presença da ideologia militar empregada em um órgão de segurança pública, a Polícia Militar. Através da perspectiva caça/caçador ou mesmo, polícia/bandido, elabora-se um discurso que cria a figura do bandido, o qual deve ser eliminado a qualquer custo pela polícia, que tem o dever de proteger a sociedade desse inimigo. E é assim que desenvolve a narrativa do mencionado livro[2].

Além dessa metáfora que remete à lógica militar, podemos constatar outros elementos da mesma natureza, como é o caso do momento em que explicita o ingresso do policial militar na ROTA:

Não tolero quando um novato fica inventando desculpas para desistir. Quando você veste a sua farda cinza e a boina preta, sua vida se transforma. Você deixa de ser apenas um indivíduo e passa a fazer parte de uma confraria de guerreiros, em que o tipo de relacionamento só pode ser observado dentro de um ambiente militar de alto valor. A ROTA não é só uma unidade da PM, é um símbolo, uma filosofia de vida. As experiências adquiridas jamais serão esquecidas. Ela impregna e te molda. É quase um sacerdócio. Uma vez ROTA, sempre ROTA (2019, p. 62).

Neste trecho conseguimos constatar um conjunto de elementos, símbolos e conceitos, ou seja, um comportamento generalizado, o qual vai compor o que  Bordin e Grotti chamarão de ethos militar, resultante da capilarização de costumes militares na sociedade, culminando na militarização da vida (2019). A farda e a boina vão atuar com forma ativa na formatação do policial, que se sentirá outra pessoa a partir de então. Não foi à toa que, em um dia comum no desempenho das atividades de Delegado de Polícia, uma Investigadora de Polícia falou para mim: “Delegado, quando eu visto o preto [roupa tática de cor preta], eu me sinto outra pessoa. Aquilo toma conta de mim”.

Podemos perceber, assim, o grau de militarização de uma instituição quando, somados ao discurso da eliminação do inimigo criado, há uma adoção de modelos militares, nos seus aspectos conceituais, simbólicos, doutrinários e procedimentais. Reside aí a diferença entre ser militar e militarista (Pion-Berlin, 2018), sendo que o primeiro é resultante do seu pertencimento a uma instituição militar e, no segundo caso, resultante da adoção de elementos essencialmente militares, em maior ou menor grau, podendo ser ou não uma instituição militar.

Vagts (1937, p. 11) explica que “Militarism, on the other hand, presents a vast array of customs, interests, prestigie, actions and thought associated with armies and wars and yet transcendig true military purposes”[3]. Nesse sentido, ainda complementa Zaverucha:

A militarização é crescente quando os valores do Exército aproximam-se dos valores da sociedade. Consequentemente, quanto maior o grau de militarização, mais tais valores se superpõem. E isto influi no modo como as instituições coercitivas se organizam para produzir violência. A retórica vigente é a de “guerra” às drogas e de “combate” aos delinquentes, através do uso de forças tarefas (2005, p. 128).

Considerando as observações feitas, é possível sustentar a militarização das Polícias Civis dos Estados através da adoção da filosofia militar em seus múltiplos aspectos. É importante ressaltar que, mesmo com a promulgação da Constituição Federal no ano de 1988, a qual (em tese) tentou realizar uma ruptura com o modelo autoritário anterior, em nada alterou em relação aos órgãos de segurança pública, que permaneceram idênticos àqueles estabelecidos pela ditadura (1964-1985): a Polícia Militar conservou sua estrutura, semelhante à do Exército e considerada força de reserva deste, e, em relação à Polícia Civil, persistiu-se da mesma forma. Assim argumentam Souza e Romero (2018) sobre esse fenômeno:

Esta militarização é condizente com as transformações políticas ocorridas no contexto da Constituição Federal de 1988. As reformas do chamado período de redemocratização não interferiram na estrutura das instituições policiais dos estados. Mais do que isto, as polícias militares mantiveram suas prerrogativas, incluindo ainda uma justiça própria, a Justiça Militar (2018, p. 131).

Apesar do maior controle sobre as atividades-fim das Polícias Civis[4], o mesmo controle não foi observado em relação ao processo de adoção de práticas e conceitos militares pelas polícias investigativas[5]. Cite-se como exemplo o direcionamento de maiores recursos a unidades operacionais, bem como a aquisição de armas de fogo usadas em guerra (como é o caso dos fuzis), uso de helicópteros, assim como utilização de ritos militares para solenidades, dentre outros aspectos. Citaremos, a seguir, um exemplo da Polícia Civil do Maranhão e outros dois extraídos de grupos especiais das Polícias Civis do Estado do Rio de Janeiro e do Paraná[6]: a Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), do Estado do Rio de Janeiro, e o Centro de Operações Policiais Especiais (COPE), do Estado do Paraná.

Em relação ao primeiro exemplo, no dia 03 de dezembro de 2018, em São Luís, no Maranhão, a Polícia Civil daquele estado formava novos Delegados de Polícia, Investigadores, Escrivães, Peritos Criminais, Médicos Legistas e Odontolegistas[7]. Em um determinado momento da formatura, um grupo dos novos Delegados de Polícia (A), da turma Bravo, puseram-se em posição de sentido e, sob o comando de outro colega, “sherife” da turma (S), começaram a bradar, ao estilo de uma canção militar: “(S)Ei, alunos, digam-me quem vocês são! (A)Somos a turma bravo, a melhor do Maranhão! (S)Me diz, turma bravo, qual é sua missão? (A)Delegados sempre prontos para qualquer operação! (S)Me diz, turma bravo, e a investigação? (A)Faremos juntamente com o PC e o Escrivão! (S)E para vocês isso daqui é profissão? (A) Não, senhor, é a nossa vocação! Bravo!”.

Deste último trecho, podemos destacar diversos elementos militares típicos: ordem unida; posição de sentido; posto de “sheriff”’[8]; brado nos moldes de canções militares; expressões típicas militares, como “missão”, “operação”.

Em relação à CORE, o ingresso do policial aos seus quadros se dá através de um Curso de Operações Policiais (COP) ou Curso de Operações Táticas Especiais (COTE), em que, à semelhança dos modelos de cursos militarizados, o aluno do curso é submetido a uma série de rituais, como a raspagem dos cabelos, uso de números ao invés dos respectivos nomes e sua exposição a situações degradantes, em especial na “semana zero”, a primeira do curso, tempo em que os alunos experimentam diversas atividades, como marchas, atividades aquáticas, dentre outras, mas todas obedecendo a uma ordem unida[9]. Sua estrutura também conta com forte influência militar, já que há uma seção de snipers (atiradores de elite), de operações aéreas (SOA), de operações marítimas e ribeirinhas (SOMAR), esquadrão anti-bombas, dentre outras. Sua atuação é baseada principalmente em operações policiais[10] e seus integrantes trabalham com uniforme operacional, semelhante ao fardamento militar, porém de cor preta.

O COPE, por sua vez, mantém estrutura semelhante à da CORE: possui cursos de operações especiais (COP e COTE), seus policiais trabalham em regra de roupa tática preta, possuindo setores operacionais e de investigação. O COPE e a CORE, inclusive, elaboram cursos de operações policiais em conjunto, nos mesmos moldes explicitados anteriormente, com forte carga militarizada[11].

Em entrevista informal com um dos alunos de um dos cursos oferecidos pelo COPE, em parceria com a CORE, o entrevistado relatou que, ao indagar um dos instrutores da CORE acerca da função do patrulhamento nos padrões ensinados, foi-lhe respondido da seguinte forma[12]: “Os americanos pagam cerca de $10.000,00 para irem à África matar leões. Eu, policial do Rio de Janeiro, sou pago para matar bandido. Vamos ser francos. A única função do patrulhamento é matar”.

A partir dos elementos acima mencionados, podemos perceber a intensificação do processo de militarização nas polícias investigativas mediante a adoção de comportamentos, crenças e valores militares. Nesse mesmo sentido, sustentam Bordin e Moraes (2015, p. 03):

No caso das polícias civis, a militarização decorre de cada vez mais utilizar técnicas e equipamentos próprios das forças armadas e das polícias militares e também com a criação de “cursos de operações especiais” nos moldes daqueles ministrados pelo Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Rio de Janeiro (a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro tem uma unidade de operações especiais denominada CORE – Coordenadoria de Recursos Especiais).

Percebe-se, portanto, um aumento crescente no processo de militarização nas polícias investigativas, já que, apesar da Constituição Federal manter as estruturas das polícias da ditadura militar, passou-se mais de 30 anos e, um movimento que deveria ser de desmilitarização, culminou-se no seu oposto. A militarização das funções investigativas, inclusive, já foi revelada por Zaffaroni (2001, p. 137):

Na América Latina, a regra é a militarização das agências policiais e penitenciárias, embora suas funções sejam de natureza indiscutivelmente civil, pelo menos formalmente. O serviço policial de investigação criminal é claramente um serviço civil, como também o seria a pretensa técnica de tratamento penitenciário. No entanto, os dois serviços costumam ser militarizados, organizados com regulamentos disciplinários de caráter militar, práticas de sanções, uniformes, insígnias, graus, etc.

Pelos apontamentos realizados acima, podemos afirmar que há um processo de intensificação da militarização das polícias civis e federal, principalmente em razão da valorização de diversas práticas e filosofias militares.

O policial civil militarizado

Para compreendermos o indivíduo inserido em um determinado ponto da história, é imprescindível que façamos essa análise em conjunto com a sociedade ou grupo da qual ele faz parte. Não há como pensarmos indivíduo e sociedade como substâncias isoladas, uma vez que o modo que uma pessoa vai se constituir e se relacionar dependerá das estruturas estabelecidas pela sociedade (Elias, 2015).

O fenômeno da militarização das Polícias Civis, assim, vai influenciar diretamente o policial civil, os quais passam a adotar condutas militarizadas, internalizando, assim, essa forma já estruturada. As exterioridades simbólicas e comportamentais militares passam a influenciar diretamente sobre as internalidades dos policiais civis, modificando-os, passando eles a atuarem também como agentes modificados e modificadores, em uma relação entre a internalização das exterioridades e externalização das interioridades, o que foi denominado de habitus por Bourdieu (2003). Essa relação entre exterioridades e interioridades vai engendrar uma forma específica de Polícia e policial civil.

A Polícia Civil, ao adentrar em um processo de militarização de suas atividades, através da adoção de símbolos, conceitos e práticas militares, vai inscrever seus policiais em um conjunto de estruturas que serão reproduzidas por eles, em que o aspecto volitivo não prepondera na sua reprodução, já que isso se daria de forma automática e inconsciente. A afirmação do ethos militar em uma instituição civil criará estruturas perceptivas que moldarão o comportamento do policial civil a partir da mesma perspectiva, contribuindo para práticas coletivas. Um relato acerca de como a militarização, através dos seus símbolos, incorpora no policial foi trazido por Stamper em seu livro Breaking Rank – a top cop’s exposé of the dark side of american policing (2005).

Ele foi chefe de polícia no Departamento de Polícia de Seattle, nos Estados Unidos, entre os anos de 1994 a 2000. No ano de 1992, ele foi designado para fazer uma auditoria no seu departamento policial e seu principal modo de abordagem foi a desmilitarização da unidade, a começar pela mudança da nomenclatura de três postos: sargeants, lieutenants e captains[13]. Sua ideia era começar a desmilitarização pela linguagem, uma mudança aparentemente simples, mas com forte carga de apreço pelos postos, similares à de militares. Houve diversas críticas para essa nova mudança, conforme ele cita em seu livro, inclusive uma endereçada a ele através de uma carta, mas na qualidade de editor de um periódico:

(…) We are a paramilitar unit at war with gang members who carry automatic weapons. Stamper, if you really want to be a CEO of a [Corporation] then you take one of those “Golden handshake” retirements and go work in the Silicon Valley. I aspire to be a Police Captain not a Division Director…[14] (2005, p. 164).

A mudança nos nomes dos cargos foi feita, mas o autor não soube precisar até a data do término do seu livro se “foi uma boa ideia”, ou seja, se surtiu algum efeito. Contudo, para os fins deste artigo, a mudança proposta por Stamper em um dos Departamentos de Polícia nos Estados Unidos, em que pese ser outro país, serve como exemplo de devoção a símbolos e nomenclaturas típicas militares por parte dos policiais, que na verdade desempenham atividades de cunho civil. Em nada mudariam as atividades daqueles policiais, que continuariam desempenhando suas atividades de idêntica forma. No entanto, “destituir-se” de um posto com uma carga de significado para adentrar em outro, “sem apreço” ou sem o mesmo reconhecimento cultural, pode ter sido um fator que contribuiu para a resistência de seus policiais. O símbolo militar, nesse contexto, pode ser encarado como sinônimo de poder, representando subjetivamente uma diferenciação moral e ética que nem todos os postos representam.

Não se trata, na verdade, de identificar quando e onde começou o fenômeno da assunção de práticas militares pelas polícias civis. Interessa aqui perceber esse fenômeno enquanto tal e como ele se desenvolve em relações particulares e coletivas. As mudanças no comportamento e no sentimento dos indivíduos não se dão de forma consciente e racionalizada por uma entidade, resultado de um planejamento (Elias, 1993). Esse comportamento militarizado realizado pelos policiais civis não surgiu do nada, mas sim de um continuum de suas estruturas autoritárias pela atual Constituição Federal, bem como pela troca contínua de experiências entre as polícias judiciárias com instituições militares, de forma que essa simbiose acaba contribuindo também para o fenômeno aqui tratado.

As operaçõespoliciais civis e repressão letal: a hipermilitarização em funcionamento

06 de maio de 2021, Rio de Janeiro, Jacarezinho. No início daquele dia, a Polícia Civil do Rio de Janeiro realizou uma operação policial contra o tráfico de drogas, denominada “Exceptis”, a qual deixou mais de 25 pessoas mortas, dentre elas um policial, além de diversas outras pessoas foram feridas nessa operação. Utilizou-se para tanto o efetivo de 250 policiais, 04 blindados e 02 helicópteros. Essa operação policial civil aconteceu durante a vigência de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que restringia essas ações em favelas cariocas[15]. Laudos apontam, inclusive, a possibilidade de execução de pessoas por parte da polícia[16]. O objetivo dessa operação foi exercer o uso da repressão ao tráfico de drogas.

Mostramos acima que a Polícia Civil é responsável por investigações, ou seja, esta é a sua atividade-fim, a qual tem por principal modo de instrumentalização o Inquérito Policial. Nesse sentido, a militarização dessa atividade haverá uma influência, inclusive, sobre o próprio modo de proceder em uma investigação. Não é à toa que presenciamos uma crescente espetacularização da investigação policial, materializada principalmente através de “operações policiais”, que comentamos acima. No meio policial, já é perceptível que elas são mais almejadas do que a própria conclusão exitosa do inquérito policial, que indicaria materialidade e indícios de autoria de um determinado crime. A finalidade acaba se tornando meio e este o fim[17]: a operação é mais desejada do que a própria conclusão exitosa do inquérito policial. O que aparece, afinal, não é o relatório com o respectivo indiciamento, mas sim a operação, com presos de costas (hoje não mais, em razão da lei de abuso de autoridade) e as fotos com os objetos apreendidos.

Em uma dessas conversas informais, um investigador de polícia afirmou que, para ele, a finalidade da investigação mesmo é “fazer operações”, e a colheita de elementos que apontem autoria e materialidade de um crime está afeta a isso. Segundo seu ponto de vista, é nesse aspecto que a sociedade respeita, faz ela temer a polícia, a qual passa a ter a visibilidade da ação. Ora, é um dos raros momentos em que a Polícia Civil, em tese, pode aparecer e brilhar: é nesse momento que o caçador aparece para a sua presa: “não é que nem a Polícia Militar (PM), que aparece sempre; quando a polícia civil aparece, a população vê que é mais sério”.

Ainda que não haja operações no decorrer da investigação, aquelas são encaradas como um fato consumativo necessário da investigação, mesmo sendo no final do procedimento de investigação. Ela não pode cair no esquecimento: tem que vir ao mundo igual a uma mãe que dá a luz ao seu filho. A investigação gesta uma operação policial, cujo nascimento, além de querido, é um resultado necessário. Se uma parte da doutrina policial enxerga o instrumento de investigação brasileiro como um meio imparcial para apuração de fatos, evitando, assim, acusações infundadas – o que se convencionou a chamar essa função da atividade investigativa de “filtro” (LOPES Jr. & Gloekner, 2014), com a adoção de um procedimento militarizado, essa ótica é posta em xeque, porque o investigado será, na verdade, o principal alvo a ser combatido, e não mais os fatos a serem analisados.

A guerra às drogas cooperou significativamente para esse fenômeno. Para compreendê-lo sob essa ótica, analisaremos como se deu a militarização das polícias nos Estados Unidos da América para, após, traçarmos um paralelo com a realidade brasileira[18].

Balko (2014) analisou o fenômeno da militarização das forças policiais nos Estados Unidos da América e ele aponta alguns acontecimentos importantes para a adoção de um modelo mais militarizado[19], que motivou a criação de equipes SWAT (Special Weapons and Tatics) por Daryl Gates. Dentre alguns outros fatos, explica o autor que essas equipes deveriam ser usadas de forma excepcional e em situações específicas, mas começaram a ser empregadas de forma rotineira em razão da política de repressão às drogas. Uma das possibilidades dessa política era a de confiscar de bens de traficantes, em que boa parte do dinheiro arrecadado ia para as polícias locais, contribuindo para o crescimento da própria unidade policial. Assim, quanto mais operações policiais eram realizadas contra o tráfico de drogas, mais poderia ser arrecadado e, consequentemente, mais se investiria nela na compra de equipamentos e armas, fato que também era estimulado pelo governo federal.

É interessante notar os dados apresentados pelo autor acima citado (2014), em especial a quantidade de equipes SWAT, quando em 1970 havia apenas poucas unidades nos Estados Unidos da América e, em 1975, quatro anos após a declaração de “guerra às drogas” por Richard Nixon, chegou-se a 500 equipes. Elas, que seriam a priori utilizadas em questões pontuais e em operações de alto risco, foram constantemente utilizadas em operações relativas ao tráfico de drogas. Obedecendo esse movimento, quase todos os Departamentos Policiais dos Estados Unidos atualmente contam com uma equipe SWAT, seja mais numerosa ou não, equipada com instrumentos utilizados em guerra (fuzis, helicópteros, dentre outros) e utilizando técnicas militares. Essas equipes representam, assim, a consolidação do estreitamento de técnicas militares com as policiais, empregadas no dia a dia de operações desta última natureza, sendo um bom medidor de índices de militarização de uma polícia. Essa adoção de práticas e equipamentos militares pelas polícias nos EUA teve na guerra às drogas um dos seus principais fundamentos de existência.

No Brasil, esse processo de intensificação da militarização das polícias não se desenvolveu do mesmo modo ao dos Estados Unidos. A utilização da lógica militarizada na área da segurança pública se deu desde a criação dos corpos policiais no Brasil (Holloway, 1997), que foram construídas para garantia da ordem (Cotta, 2012). Já no período da ditadura militar (1964-1985), através da ideologia da Segurança Nacional, viu-se nesse sistema um modo de capilarização mais eficaz, o que possibilitaria o maior controle de inimigos políticos. O poder repressivo estava devidamente fundamentado ante as condições políticas que estávamos vivendo. Com a superação da ditadura militar, a ideologia da segurança nacional perdeu o seu fundamento de validade e existência, já não havendo mais inimigo político a ser combatido. A necessidade de um aparato ideológico legitimando a repressão, assim, precisou ser atualizada, aparecendo sobre uma nova forma, através do direito penal do inimigo (Carvalho, 2016).

Foi no combate às drogas que o estado viu a possibilidade de se apropriar ideologicamente desse fenômeno como fundamentador do aumento repressivo[20], inclusive letal, utilizando-o como configurador de um inimigo público e possibilitando a continuidade de seu controle, em especial de populações marginalizadas, a classe perigosa, permitindo seu encarceramento em massa (Zaccone, 2015).

É na figura do traficante de drogas, reforçado diuturnamente como o preto, pobre e residente nas comunidades marginalizadas, que o aparato repressivo vai ser direcionado. Eles não são considerados cidadãos nessa lógica, mas inimigos da sociedade, que devem ser eliminados a qualquer custo (Arguello, 2018). Os traficantes são os bandidos que vivem na zona de exceção, justificando a aplicação de medidas excepcionais, inclusive o seu genocídio. Nesse sentido, sustenta Batista:

O estereótipo do bandido vai-se consumando na figura de um jovem negro, funkeiro, morador de favela, próximo do tráfico de drogas, vestido com tênis, boné, cordões, portador de algum sinal de orgulho ou de poder e de nenhum sinal de resignação ao desolador cenário de miséria e fome que o circunda. A mídia, a opinião pública destacam o seu cinismo, a sua afronta. São camelôs, flanelinhas, pivetes e estão por toda parte, até em supostos arrastões na praia. Não merecem respeito ou trégua, são os sinais vivos, os instrumentos do medo e da vulnerabilidade, podem ser espancados, linchados, exterminados ou torturados. Quem ousar incluí-los na categoria cidadã estará formando fileiras com o cais e a desordem, e será também temido e exacrado (2003, p. 36).

O filme Tropa de elite, lançado em 2007 e dirigido por José Padilha e Marcos Prado serviu como divisor de águas no âmbito das polícias brasileiras. Se a intenção era expor a rotina das Polícias Militares na cidade do Rio de Janeiro, mostrando suas práticas ilícitas, como torturas e execuções, na verdade, teve-se um apoio ante tais práticas por parte da sociedade, construindo-se a partir da figura do capitão Nascimento como o “salvador da pátria” (Moraes e Bordin, 2016). Esse filme mostra as atividades do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, através de seu protagonista, Capitão Nascimento, o qual trava uma verdadeira guerra com o tráfico de drogas naquele estado, com cenas de morte de traficantes, perseguições, dentre outras. Nesse filme também aparece trechos do curso de operações especiais (COESP) do BOPE, em que os policiais militares passam para adentrar naquele Batalhão. Nesses trechos específicos podemos constatar uma “aculturação” do policial, o qual é forjado para o enfrentamento e aceitação da lógica do combate, em especial ao traficante.

Um de nós pode participar de cursos dessa natureza no âmbito da Polícia Civil. Há uma tentativa de estabelecer uma cópia fiel daquele mesmo método implicado no filme, que também reproduz os cursos da vida real no âmbito da PM: privação de sono e comida, práticas de atividades físicas de forma intensa, substituição do nome por números, raspagem dos cabelos e barbas, semana zero[21], ordem unida, canções militares, dentre outros. Todos esses aspectos poderão ser visualizados pela internet[22]. Nesses cursos no âmbito da Polícia Civil são ministradas aulas sobre diversos temas, mas principalmente no âmbito operacional com armamento em ambientes semelhantes a favelas. Um Investigador de Polícia, que possui cerca de 25 anos nessa função, disse: “Esse filme foi um marco na Polícia Civil. Todos hoje querem ser caveiras. A Polícia Civil hoje dá um curso semelhante ao do filme do BOPE, coisa que não acontecia antes”.

Os cursos nesses moldes apareceram principalmente após o filme tropa de elite. Assim, podemos perceber que através deles há uma introjeção da filosofia militar no policial civil, influenciando assim seu comportamento e sua forma de enxergar a realidade ao seu entorno, através da ótica militar, o que certamente influenciará na forma com que procederá, em especial no exercício da repressão letal. A guerra às drogas ampliou essa possibilidade de inserção de conceitos e práticas militares no âmbito das Polícias Civis, o que faz Karam concluir que não bastam reestruturações das polícias sem que haja uma revisão na política de drogas, este principal motor da militarização (2015, p. 38).

Conclusão

O fenômeno da militarização pode ser verificável em diversos setores da nossa sociedade, como na política, economia e no nosso cotidiano (Brigagão, 1985), inclusive na burocracia estatal (Mathias, 2004) e na segurança pública isso não seria diferente. Mesmo com a Constituição Federal de 1988, a qual inaugurou novo período democrático no Brasil, manteve-se a estrutura dos órgãos de segurança pública da ditadura militar (1964-1985) em Polícia Militar e Polícia Civil, sendo esta não adepta a priori a preceitos militares. No entanto, não é o que está se verificando atualmente.

Considerando a militarização como um fenômeno não atinente somente às instituições militares, o que demonstra sua possibilidade de moldar outras instituições civis, pode-se observá-la a partir da adoção de conceitos, práticas e símbolos tipicamente militares.

Esse conjunto de práticas já pode ser verificável nas Polícias Civis dos Estados, seja através de comportamentos dos seus policiais ou da adoção de técnicas militares no desempenho de suas atividades, em especial nos Grupos de Operações Especiais. Cite-se, como exemplo, a CORE da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, a qual mantém estrutura semelhante a militar, bem como em seus cursos. Nesse sentido, a ideologia do direito penal do inimigo, com a “guerra às drogas”, colaborou (e colaboram) significativamente para esse fenômeno, pois fundam-se na destruição do inimigo, encarado como o alguém a ser destruído.

Da militarização das Polícias Civis, o policial civil também vai se moldando nessa forma, em uma introjeção de valores militares no policial civil, que os reproduzem de forma naturalizada, fazendo com que o processo de militarização das polícias civis possa ser entendido como uma possível busca pela sobrevivência institucional: primeiro, pela forma como as políticas de segurança pública são conduzidas em todo o país, ou seja, evidenciando as ações de “guerra contra o crime” ou “guerra contra as drogas”; segundo, como forma de tornar visível, do ponto de vista político, os investimentos feitos e consequentemente os resultados que essas instituições proporcionam para a sociedade.

Essa é uma questão cultural da segurança pública brasileira, em que os resultados devem ser imediatos, não levando em considerações aspectos técnicos e científicos necessários para as investigações de crimes mais complexos. E dentro do aspecto político, os investimentos visíveis aparecem muito mais com policiais uniformizados e carros de patrulha ostensivos, tornando a atividade investigativa (que nem sempre apresenta resultados imediatos) uma espécie de “gasto desnecessário” para os governantes.

O modelo militarizado de polícia, quando acoplado a instituições civis, serve como impulsionador ao exercício da repressão letal, que através de operações midiáticas, acabam servindo para matar, e não para investigar. Essas operações, inclusive, são comemoradas por diversos setores da sociedade. Importante citar que a hipermilitarização se intensifica na gestão do então Presidente Jair Bolsonaro, em especial na Polícia Rodoviária Federal (PRF), que através da Portaria 42/2021 do Ministério da Justiça e Segurança Pública aumentando a área de atuação dessa instituição policial rodoviária, de caráter civil. Essa portaria possibilitou a participação da PRF em operações que resultaram em elevada letalidade policial, além do caso de um motociclista que foi detido em um compartimento, vulgarmente denominado de camburão, de um carro policial e asfixiado com uma granada de gás lacrimogênio[23].

É claro que outros aspectos como a militarização da criminalidade (Bordin, 2020), tendem a tornar as instituições policiais civis também militarizadas no que diz respeito ao poder de fogo e as técnicas de enfrentamento ao crime organizado, sempre em detrimento da investigação. Além da constante ideia do confronto como forma normal de atuar das polícias brasileiras, as características estéticas como uniformização de instituições policiais encarregadas de atividades de investigação policial e a forma militarizada na formação das academias das polícias civis tornam o processo de desmilitarização cada vez mais difícil. Importante citar que até os futuros funcionários de carreiras de polícia científica acabam por participar de atividades denominadas “operações policiais rurais” que nada mais é de uma marcha militar, exercício muito comum nas Forças Armadas de qualquer país. Um fato que deve ser colocado em destaque também é a influência que o militarismo exerce em grande parcela da nossa sociedade, impossibilitando o pensar diferente no campo da segurança pública.

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[1]Direct militarization is the use of the standing military for domestic policing. Indirect militarization happens when police agencies and police officers take on more and more characteristics of an army”.  Tradução livre: “Militarização direta é o uso do exército para o policiamento doméstico. Militarização indireta acontece quando as agências policiais e os policiais assumem mais e mais as características de um exército”.

[2] De acordo com o autor: “BOA CAÇADA é o que dizemos uns aos outros quando embarcamos em nossas viaturas e saímos às ruas. Afinal, é isso que fazemos, caçamos bandidos. Não atendemos ocorrências rotineiras. Somos uma tropa treinada e preparada para entrar em qualquer lugar da cidade e buscar o ladrão no ninho. Por toda a história da humanidade, das origens das legiões romanas aos exércitos modernos, as organizações militares dispõem de grupos especializados, com treinamento diferenciado e preparados em rastrear, localizar e neutralizar o inimigo. (…)” (Oliveira, 2019, p. 18).

[3] Tradução livre: “O militarismo, por outro lado, apresenta uma vasta gama de costumes, interesses, prestígio, ações e pensamentos associados aos militares e guerras, e ainda transcendendo verdadeiros propósitos militares”.

[4] Conforme o art. 129, VII da Constituição Federal, é função institucional do Ministério Público exercer o controle externo das atividades policiais.

[5] O órgão que deveria fiscalizar esse processo e impedi-lo, o Ministério Público, acaba também adotando uma investigação militarizada quando, a partir da autorização do Supremo Tribunal Federal para realizar investigações (Recurso Extraordinário 593727), cria Promotorias e Grupos de Atuação Especial ao Crime Organizado (GAECO), as quais utilizam de força policial militar, à revelia das atribuições constitucionais desta, para realizar atos investigativos, inclusive com o cumprimento de mandados de busca e apreensão.

[6] Poderiam ser citados outros exemplos de outros Estados da Federação, tendo em vista que quase todos eles possuem uma Polícia Civil com um agrupamento especializado ou, ao menos, com características militares, como o COPE de Sergipe ou mesmo o GOE de São Paulo. A escolha feita aqui se deu em razão da proximidade deste autor com as unidades policiais mencionadas.

[7]Notícia divulgada no site da Polícia Civil do Maranhão: https://www.policiacivil.ma.gov.br/policia-civil-ganha-reforco-no-efetivo-com-a-formatura-de-delegados-e-agentes-da-policia-judiciaria-maranhense/

[8] Líder da turma.

[9] A CORE publicou no YouTube um vídeo demonstrando as principais cenas do Curso de Operações Táticas Especiais IX, que pode ser visualizada no sítio eletrônico https://www.youtube.com/watch?v=henydVQPYbY&t=131s. Acesso em 08/12/2019.

[10] Uma delas pode ser vista no sítio eletrônico https://globoplay.globo.com/v/7839285/, em que demonstra a atuação da CORE na favela do Jacarezinho-RJ, culminando na morte de um suspeito e em uma “bala perdida” contra um civil. Acesso em 08/12/2019.

[11] Pode-se visualizar trechos de um dos cursos no seguinte sítio eletrônico: https://www.youtube.com/watch?v=ERMejxBqnWM. Acesso em 08/12/2019.

[12] A entrevista se deu de forma informal, não sendo utilizado gravador para a transcrição ipisis litteris do que me foi dito. A identidade do entrevistado será preservada por questões éticas.

[13] Tradução livre: sargentos, tenentes e capitães.

[14] Tradução livre: Nós somos uma unidade paramilitar em guerra com membros de gangues que portam armas automáticas. Stamper, se você quer mesmo ser um CEO de uma [corporação], então pegue o dinheiro de sua rescisão e vá trabalhar no Vale do Silício. Eu aspiro ser Capitão de Polícia, e não um Diretor divisional…”. Há certa dificuldade na tradução da expressão “Golden handshake”, que significa um pagamento àqueles que deixam o seu emprego, seja quando é demitido ou quando se aposenta, ou mesmo como prêmio em razão de um trabalho bem-feito durante um período de tempo considerável.

[15] Pode-se visualizar a notícia no sítio eletrônico https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/05/06/tiroteio-deixa-feridos-no-jacarezinho.ghtml. Acesso em 27/06/2021.

[16] A notícia pode ser visualizada no sítio eletrônico https://oglobo.globo.com/rio/mortos-no-jacarezinho-laudos-identificam-baleados-pelas-costas-curta-distancia-com-ate-seis-tiros-1-25072063. Acesso em 27/06/2021.

[17] Estabeleci uma relação de meio e fim, porque a “operação policial” na polícia civil nada mais é do que o cumprimento de mandados de busca e apreensão e prisões. Nesse sentido, apresenta-se como meio de busca de prova no caso de cumprimento de mandados de busca e apreensão. O fim, aqui, seria a investigação do fato criminoso em sua plenitude, apontando-se o seu autor e materialidade.

[18] Não se pretende aqui sustentar que um fenômeno ocorrido em outro país possa servir de explicação para acontecimentos no Brasil. Utilizar-se-á esse paralelo porque o Brasil sofreu (e sofre) com a “declaração de guerra às drogas” feita pelos Estados Unidos em meados da década de 70. Ainda, o fenômeno da militarização de lá obedece a fluxos diversos daqueles experimentados no Brasil, inclusive na própria formação das polícias estadunidenses e brasileiras. Então, serão levadas em consideração as peculiaridades de cada país a respeito de determinado fenômeno, o que não impede que seja explorado e comparado com as devidas restrições.

[19] Balko cita alguns exemplos, entre eles os Tumultos de Watts (Watts Riots) em 1965, bem como o episódio no ano de 1966, em que Charles Whitman matou diversas pessoas, fato este que a polícia foi apontada como “ineficiente” em razão da demora na resposta aos atos de Whitman.

[20] É importante ressaltar que a guerra às drogas no Brasil não começou somente com o término da ditadura. Na década de 70 a repressão já era sistematizada. Afirma-se que, após 1988, ocorreu uma intensificação da repressão às drogas.

[21] Conhecida por esse nome por se referir à primeira semana do curso, em que os alunos são submetidos a atividades intensas, inclusive a exposição ao constrangimento gratuito.

[22] Segue um exemplo: https://www.youtube.com/watch?v=ERMejxBqnWM&t=3s. Acesso em 23/12/2019.

[23] Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/05/homem-morre-asfixiado-em-viatura-da-policia-rodoviaria-federal-em-se.shtml – Acesso em 07 janeiro 2022.

[I] Vyctor Hugo Guaita Grotti: Doutorando e Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC). Bacharel em direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Capitalismo e Contestação Social (NECSSO).

[II] Marcelo Bordin: Geógrafo Cientista Político, Mestre em Geografia e Doutor em Sociologia. Atualmente é pesquisador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos (CESDH/UFPR), do Grupo de Estudos em Segurança, Justiça e Violência (SEVIJU/UFABC) e integrante da Rede Nacional de Pesquisa em Militarização da Educação.